À deriva é o meio comum que gerou essas fotos. O que mais as aproxima e faz delas um conjunto é o modo como elas foram feitas, e não o que elas representam ou onde foram obtidas. Aqui nesse conjunto de imagens, o referente é informação secundária. Como autora, quero atribuir valor ao gesto,
à ação de fotografar de forma independente e descompromissada. Nenhuma dessas fotos foi planejada ou realizada com algum objetivo específico. Elas são consequência do puro prazer de criar.
Foram feitas durante caminhadas sem rumo predeterminado ou em percursos com diferentes fins que não o de fotografar. No entanto, há uma motivação que antecede qualquer ato de criação: é a constante busca de identidade e de expressão pessoal.
Praticada por filósofos e artistas no início do século XX, a deriva é um meio experimental de conhecimento do espaço e de autoconhecimento. Estímulos sensoriais e afetivos emanam do ambiente, promovendo novos estados de percepção. Fotografar o cotidiano conduz a ricas descobertas. Os caminhos deixam de ser apenas meios de passagem e todo trajeto assume igual importância.
Qualquer coisa pode se transformar em fotografia. Quando a gente aceita esse desafio, fazemos desse exercício de ver e fotografar o prazeroso motivo que nos move com entusiasmo e curiosidade.
E confirmamos o que disse o fotógrafo Robert Doisneau: “Há dias em que a simples atividade de olhar infunde uma felicidade absoluta.”
Ver e fotografar, essa é a proposta. O espaço caótico pode ser harmonizado através de um olhar que busca o equilíbrio e registra essa descoberta. E esse gesto é o mesmo capaz de converter tédio em disposição, pouco em muito ou máximo em mínimo. Fotografias são reveladoras, sempre, para quem quiser se ver.
Tornei-me fotógrafa profissional atraída pela oportunidade de conhecer lugares distantes e, efetivamente, viajei para diversos países. No entanto, à medida que o tempo passa, valorizo cada vez mais o encantamento pelas coisas simples e o exercício de desvendar infinitas possibilidade de olhar.
Muitas vezes as fotos são janelas e me descubro no mundo; outras vezes são espelho e me encontro refletida nelas.
Gostaria que À DERIVA fosse um livro para eu compartilhar meu prazer de construir imagens. E repetir as palavras do poeta Manoel de Barros, que sempre me inspiram: “Me procurei pela vida inteira e não me achei. Pelo que fui salvo”.