Na série fotográfica “Escavar o escuro” proponho uma narrativa fantástica operando a partir de uma dupla posição – a de estar atrás e na frente da câmera ao mesmo tempo. Incursiono no breu da noite em praias diversas propondo dissoluções imaginárias do meu corpo no espaço, em relações de mimeses com a paisagem.

O ato fotográfico se dá aqui a partir de uma dupla cegueira. Não ver pelo gesto de tornar-se objeto da própria captura, perder o controle do olhar através da autoperformance realizada para a câmera. E não ver por uma questão ótica, pela ausência de luz. Fotografar cenas que apenas a câmera é capaz de revelar, que o olho não alcança. Por outro lado o trabalho se dá como uma expedição pela noite movida pela intenção de captura dos últimos resquícios de luz e brilho, e por intervenções com objetos de qualidade brilhante que guardam semelhança com os astros e as luzes noturnas.

A intenção experimental é assim intensificada pelo escuro e reforçada pelas condições espaciais e os acontecimentos exteriores. Do movimento das marés, da força das ondas, das dinâmicas dos ventos, da intervenção que o movimento da água faz sobre o corpo e sobre a câmera. É nesse sentido que podemos inferir que em “Escavar o escuro” é o corpo, em uma árdua relação com o espaço, que determina os limites da produção.
O desejo mimético nada mais seria que o desejo de transferir a própria forma, os próprios limites, de se deixar ser invadido pelo espaço e tornar-se a si mesmo, paisagem, pedra, areia, mar. Torna-se matéria-prima da própria experiência, se deixando afetar e praticando a potência de uma autoficção. O trabalho é feito portanto em um fluxo no qual é a partir de uma experiência direta com o real que a ficção se dá, sustentando uma fotografia que se afirma, a um só tempo, como acontecimento e invenção