Thalassa é, no mito grego, uma das primeiras personificações femininas do mar Mediterrâneo. A mãe de todos os peixes e seres do mar. Nesta série fotográfica, o mar é o elemento central, entidade permanente dentro de nós, transbordante de infinitas marés de memórias e fantasias. A observação cotidiana à beira mar me permite a experiência sensível de pescar acasos e mergulhar em mutações. Assim compreendo a vida, como um processo de transição onde tudo se desintegra, se desalinha e se desequilibra para instantes depois e em movimentos expansivos, voltar a integrar-se metamorfoseada em outros devires. Diante das emergências e destruição ambiental, consequências visíveis nas alterações climáticas, na perda da biodiversidade e no aumento da acidez dos oceanos, é evidente a falácia do ser humano compreender-se superior e não parte integrante à natureza como um todo. Neste trabalho proponho estética e utopicamente agregarmo-nos como seres íntegros, contínuos e todos compartilhamos a mesma hierarquia de existência. Afirmando essa relação metamórfica, como defende Emanuele Coccia, somos todos -animais, vegetais, minerais – seres aparentemente distintos, mas infimamente conectados, somos partes integrantes, que formam, deformam e transmutam a existência da vida no planeta. Somos a parte que integra o todo telúrico, num ir e vir de acasos, confluências, extinção, criação e reaparecimento. Nas fotografias enquadro as marés, os ventos, as ondas, as correntes, as pedras, os contornos, as areias, as carapaças, os peixes, as sombras, os vestígios, as respirações e meus afetos. Algumas vezes, o autorretrato fragmentado me corporifica, matéria frágil e forte da natureza. Sobreposições, saturações das sombras, luzes difusas, espelhamentos, catalogação de seres marinhos transmutados em seres outros, uma certa evidencia plástica que evoca o campo onírico surrealista. A partir destes conceitos busco criar diálogos entre o sentir corpóreo, o fazer poético, o pensar fotográfico e o materializar acasos. Em momento posterior à elaboração das fotografias e sua impressão no papel, proponho a co-autoria criativa de Thalassa, mergulho as imagens no mar.
